terça-feira, 10 de janeiro de 2012

ESCRITA DE SINAIS II

1
Universidade Federal de Santa Catarina
Licenciatura e Bacharelado em Letras-Libras na Modalidade a Distância
Marianne Stumpf
Escrita de Sinais II
     
Florianópolis
2009 2
1. A aquisição da função semiótica ou, como o indivíduo constrói seu mundo
simbólico:
Dois importantes teóricos Piaget e Vygotsky que se  dedicaram a pesquisar como
surge o conhecimento chegaram à mesma crença de que ele evolui das formas elementares
para as formas superiores, sendo o desenvolvimento humano, um processo de inter-relação
(interação) entre o meio social e as bases biológicas. A tese principal de Piaget mostra que
existe uma continuidade, entre a inteligência e os  processos biológicos, que ultrapassa o
condicionamento hereditário.
Piaget (1970) na obra: O Nascimento da Inteligência na Criança, usa a expressão
psicogênese para falar da aprendizagem, pois acredita que esta é uma construção
psicológica. Ele estudou detalhadamente, por meio da observação exaustiva de seus filhos,
como se desenvolve a inteligência na criança, como se dá o processo da aprendizagem e
como se constrói a representação simbólica que possibilita a ocorrência da linguagem.
Primeiro a criança manipula os objetos, depois percebe, e finalmente representa
simbolicamente. Na criança pequena a atividade física é fundamental para toda a
aprendizagem. Ela aprende a perceber e controlar a correção de suas próprias percepções
por meio do manejo de objetos e de movimentos do corpo. Esse é, para Piaget, o primeiro
estágio do desenvolvimento cognitivo, o período sensório-motor. A passagem do primeiro
para o segundo estágio, que ele denomina pré-operatório, se dá quando surge a função
simbólica que permite à criança diferenciar o sujeito (ela própria) do objeto (o mundo que a
rodeia) e tem início por volta dos oito meses. Há três manifestações básicas da função
simbólica.
1) A imitação diferida – quando a criança imita algum objeto ou pessoa com o
próprio corpo.
2) O brinquedo simbólico – quando “ela faz de conta” e vivencia uma determinada
situação.
3) A fala – que é a manifestação mais clara da função simbólica. 3
Piaget chama função semiótica àquela que possibilita ao sujeito representar objetos
ou situações que estão fora de seu campo visual por meio de imagens mentais. A
representação é a condição básica para o pensamento existir. O que constitui a função
semiótica e faz com que a criança ultrapasse a atividade sensório-motora é a capacidade de
representar um objeto ausente por meio de símbolos ou signos, o que implica diferenciar e
coordenar os significantes e os significados.
Na criança, o período sensório-motor, durante o qual os objetos só existem
interdependentes da atividade do sujeito, é anterior à função semiótica. Nesse período, falta
a evocação do ausente, o tempo e o espaço. Quando a criança consegue imitar um modelo
ausente ela mostra que adquiriu a função semiótica. A representação permite que a criança
organize o espaço e o tempo e se diferencie dos objetos. Pode então recordar e planejar.
Associar suas ações no espaço e no tempo. Reconhecer-se como diferente dos outros. As
representações de ordem superior (representações simbólicas) são também coletivas,
porque precisam ser objeto de convenções que lhes atribuem sentido culturalmente
definido, constituem-se no signo verbal para as línguas faladas e no sinal gestual para as
línguas de sinais.
Piaget observou que certos instintos, reflexos, deixam de funcionar normalmente.
por falta de um meio apropriado em um determinado momento. Nos bebês surdos podemos
observar este fato, em relação aos balbucios iniciais, comuns a todos os bebês, também aos
surdos, que desaparecem ao invés de evoluir para a fala por falta do estímulo auditivo, que
seria proporcionado pelo meio.
O contato com o meio não tem por resultado apenas desenvolver reflexos, mas
também coordená-los produzindo uma aprendizagem em função da interação com o meio,
assim a criança adapta sua conduta aos diferentes objetos. A criança chupa seus dedos,
depois outros objetos como o brinquedo etc. Ela assimila estes objetos à atividade do
reflexo levando todos os objetos à boca e finalmente vai usar esta conduta para reconhecer
os corpos.
A fisiologia do organismo oferece uma montagem hereditária inteiramente
organizada e virtualmente adaptada, mas que nunca funcionou. A psicologia começa com o
funcionamento desse mecanismo.  4
No bebê o exercício de sucção é um reflexo hereditário. As manifestações do bebê,
concomitantes às repetições do exercício, expressando diferentes estados de consciência
(satisfação raiva calma agitação etc) mostram que o mesmo estado de consciência não se
reproduz duas vezes idêntico a si próprio e apontam para uma significação, pressupondo
uma utilização individual da experiência e caracterizando o reflexo como um mecanismo
causador de um exercício significante, e por conseqüência, de uma aprendizagem.
2. A aquisição da linguagem
Quanto à audição e a fonação Piaget (1970) ainda em O Nascimento da Inteligência
da Criança, diz que são reflexos hereditários que por volta do segundo mês dão lugar a
adaptações adquiridas. Claramente, durante o segundo mês, o som do ouvido provoca uma
parada, mesmo pouco duradoura, da ação em curso e uma busca clara.
O ouvido e a voz estão ligados, para a criança, desde o início da adaptação
adquirida, talvez haja até uma ligação hereditária, mais isso Piaget relata que não pode
comprovar.
A fonação está organizada em dois sentidos complementares, primeiro na medida
em que o conjunto de sons produzidos constitui um sistema de articulações
interdependentes, e depois, na medida em que a fonação se coordena com outros esquemas,
sobretudo com os esquemas auditivos.
O bebê surdo quando exercita seus reflexos de balbucios iniciais não encontra o
estímulo externo (sons) que tornaria seu exercício significativo e, por conseguinte, capaz de
gerar a aprendizagem da fala.
A montagem hereditária que se manifesta nos balbucios iniciais (reflexos) deixa de
funcionar por falta do retorno auditivo impedindo a aprendizagem da fala que se daria na
troca com o meio. Essa acomodação perpétua dos órgãos vocais à realidade fônica,
percebida pelo ouvido, deixa de existir no caso dos sujeitos surdos.
Quanto ao ouvido, até o segundo mês, a única reação que se observa na criança é o
interesse pela voz. A partir do segundo mês se estabelecem duas coordenações essenciais:
coordenação com a fonação e coordenação com a visão. No segundo mês a cabeça se move
em direção ao som e progressivamente, acontece uma  assimilação, que iniciando pelo 5
simples prazer de escutar progride para a discriminação e logo o reconhecimento de certos
sons.
Da associação entre um som e uma percepção visual pode-se dizer que os esquemas
visuais e auditivos se assimilam reciprocamente: a  criança procura averiguar
sistematicamente a que quadros visuais correspondem os sons ouvidos, isto acontece
porque ela se esforça para ver tudo.
Uma vez adquirida a coordenação, do ouvido e da vista, a criança começa a procurar
sistematicamente, a propósito de tudo, a correspondência entre os sons e os quadros visuais.
Nos bebês surdos os esquemas visuais e auditivos, pela ausência desses, não podem
assimilar-se reciprocamente. O bebê se esforça para ver tudo, mas chama a atenção de seus
cuidadores à falta de reação aos sons ambientes. O quadro de compensação se manifesta na
hiper-vigilância que caracteriza o comportamento de muitos surdos mesmo adultos.
Outros pesquisadores registraram, que a mãe surda, trabalha sempre com a atenção
visual da criança e jamais inicia um jogo ou brincadeira até que a criança olhe para ela. Já,
quando a mãe não é surda, é o bebê que tenta resolver, pelos seus próprios meios, o
problema da comunicação: os bebês surdos de pais ouvintes, não expostos á língua de
sinais desde o nascimento, começam a desenvolver gestos manuais para expressar seus
pensamentos, desejos e necessidades. A criança não sofre por parte do meio uma simples
pressão exterior, mas, pelo contrário, procura adaptar-se a ele. Portanto a experiência não é
recepção, mas ação e construção progressiva.
O fato fundamental, para a criança surda que está impedida de adaptar-se
ativamente ao meio sonoro é o de que a língua oral, cuja representação sonora é a palavra,
não pode ser adquirida naturalmente.
Observações realizadas por Karnopp (1999), na aquisição da Libras, investigam três
aspectos do desenvolvimento infantil: a questão da percepção visual, da produção manual e
da importância do input visual. O input em língua de sinais é, obviamente, importante para
que o bebê passe para etapas posteriores no desenvolvimento da linguagem. (Karnopp e
Quadros, 2001 p. 217).
Sobre a aquisição da língua de sinais, os primeiros sinais ou as primeiras palavras
aparecem, indiferentemente a qual seja a modalidade da língua, entre os dez meses e o
primeiro ano de idade. Esses mesmos estudos mostram que as crianças surdas com pais 6
surdos, inicialmente balbuciam com as mãos, começam então a produzir enunciados de um
único sinal, e em seguida, combinam sinais formando sentenças simples. Portanto, as
diferenças na modalidade entre as línguas orais auditivas e as línguas gestuais-visuais não
obstruem o processo de aquisição de uma língua.
A extinção da atividade fônica reflexa é uma pista  importante na descoberta da
surdez congênita. O ouvido não dá nenhum sinal exterior de sua ausência, por isso, muitas
vezes a surdez só é descoberta quando, na idade apropriada, a criança não começa a falar.
 Testes simples podem ser realizados, ainda no hospital, quando do nascimento dos
bebês que detectam a surdez, são preconizados pela  Organização Mundial da Saúde e
começam a ser realizados no Brasil, em alguns locais de excelência.
Em sua tese de mestrado (Karnopp, 1994) estabelece  um paralelo entre
desenvolvimento lingüístico de crianças ouvintes e de crianças surdas filhas de pais surdos,
usuários de Língua Brasileira de Sinais – Libras e conclui pela convergência das diversas
etapas de aquisição, incluindo o período pré-lingüístico e evidenciando os mesmos
princípios de aquisição compartilhados por crianças surdas e ouvintes.
Piaget identificou ainda, mais dois estágios na construção do conhecimento além do
sensório-motor e do pré-operatório. O terceiro estágio é o operatório-concreto quando o
raciocínio lógico passa a se sobrepor à percepção e à intuição, esse estágio vai dos 7 aos 11
anos. Sua principal característica é permitir pensar operatoriamente isto é, ser capaz de
organizar as informações em sistemas e conseguir lidar com as várias relações possíveis
nesse sistema, reversivelmente, isto é indo e vindo. Por isso, esse período, permite a
aquisição da escrita.
O quarto estágio é o operatório-formal à partir do qual o sujeito pode pensar sem
recorrer ao real ou a sua representação. Esse é o pensamento do cientista que não fica só
observando a realidade, mas levanta hipóteses, faz  previsões a partir de cálculos
matemáticos, que não são nada reais. Piaget concluiu que a pessoa desenvolve as operações
formais dos 12 aos 15 anos. A partir daí vai utilizar as mesmas operações de uma forma
cada vez melhor.
O construtivismo de Piaget teve o mérito de superar o empirismo que dizia ser o
conhecimento fruto exclusivamente da experiência por via das percepções. Ele nos fez ver
que, entre o dado da realidade e o conhecimento, há uma importante elaboração do 7
aprendiz. Conforme Costa (2003), Piaget abstraiu os fatores sociais no estudo do
desenvolvimento da criança por uma questão metodológica, durante o processo de
investigação, porém fica claro no conjunto de sua obra, que considerava o desenvolvimento
cognitivo dependente de fatores sociais.  
Outros pensadores como Vygotsky focaram mais a dimensão social dizendo que a
aprendizagem é um fenômeno grupal. O pesquisador russo Vygotsky, já em 1925 em
ensaios sobre a educação de surdos, havia percebido a necessidade do uso da língua de
sinais para possibilitar sua educação. Os ensaios infelizmente só foram publicados em
inglês em 1989.
Quando se trata do desenvolvimento das funções psicológicas superiores, isto não é algo
que acontece de modo automático, para serem absorvidas precisam de mediação cultural.
Os instrumentos culturais foram desenvolvidos para as pessoas que tem todos os órgãos
dos sentidos, todas as suas funções biológicas. A chave para o desenvolvimento da
pessoa diferente será a compensação, o uso de um instrumento cultural alternativo, para
os surdos é a língua de sinais. Ela está voltada para as funções visuais que estão intactas.
Constitui o modo mais direto e mais simples de permitir o desenvolvimento pleno, o
único a respeitar a diferença, sua singularidade. (Vygotsky apud Sacks, 1989, p. 63)
As questões que se referem ao que é língua e como ela está representada no cérebro,
ainda colocam muitos interrogantes para os neurocientistas e lingüistas. Quanto à
necessidade dos surdos utilizarem a língua de sinais não se encontram mais argumentos
sérios de estudiosos que a contradigam.
As línguas de sinais são consideradas pela lingüística como sistemas lingüísticos
legítimos, de modalidade gestual-visual, capazes de proporcionar aos surdos o meio
apropriado para a realização de todas suas potencialidades lingüísticas.
No Brasil, a Libras é a língua de sinais que se constitui naturalmente dentro das
comunidades surdas urbanas. A pesquisadora Ferreira Brito, em 1984, detectou existência
de outra língua de sinais no Brasil, usada por índios da floresta Amazônica, no Estado do
Maranhão – a Língua de Sinais Kaapor Brasileira (LKSB).
A Libras possui suas regras próprias e apresenta estruturas sistemáticas em todos os
níveis lingüísticos. Expressam sentimentos, estados psicológicos, conceitos concretos e
abstratos, processos de raciocínio. 8
Reflexão:
Esse texto é bastante complexo, mas é também importante e precisa ser bem compreendido,
pois é o fundamento de porque as crianças surdas precisam ser expostas á língua de sinais
desde bebês para que não percam tempo e adquiram a linguagem ao mesmo tempo em que
as crianças ouvintes o fazem. Como vimos, essa aquisição vai permitir a criança construir a
função semiótica, quer dizer, ter a possibilidade de contar com uma representação mental
indispensável para seu desenvolvimento cognitivo.
Continue esclarecendo o significado das palavras que você não conhece bem, pois é
importante que você, como professor, compreenda todos esses conceitos.
3. A construção dos sistemas de representação
As línguas são representações simbólicas, quer seja uma língua oral ou uma língua
de sinais, assim como suas escritas. Elas se constituem historicamente ao longo da evolução
dos povos como construções coletivas que resultam em sistemas de representação.
Sobre os sistemas de representação Ferreiro (1985), que acolhe a teoria piagetiana,
ao analisá-los, diz que esse é um processo seletivo que retém alguns dos elementos,
propriedades e relações do real e que o omitido é aquilo que deve ser re-introduzido no
momento de interpretar. Ela diz ainda quanto aos sistemas de representação que a
construção de uma primeira forma de representação adequada costuma ser um longo
processo histórico, até se obter uma forma final de uso coletivo.
Quando a criança escreve, ela expressa suas idéias  graficamente, por meio de um
sistema cujo uso supõe a compreensão da sua forma de construção. Construir a escrita
significa conseguir criar os elementos adequados à expressão das idéias e estabelecer entre
eles a relação apropriada que reflita no texto a gramaticidade da língua.  Para o usuário
natural de uma língua, no caso as crianças surdas usuárias das línguas de sinais, essa
compreensão da estrutura da língua acontece naturalmente ao ser posta em contato com a
LS, como acontece com a criança ouvinte quando adquire a língua oral de seus pais. Foi
partindo da tese de que a criança surda não difere, em seu desenvolvimento cognitivo da
criança ouvinte, que os teóricos do “Centre Déducation de L`ouïe et de la parole de
Montbrillant, Suisse”, nos anos 80, sustentaram a passagem de um ensino unicamente 9
oralista para uma perspectiva de ensino bilíngüe, tomando como referencial o
Construtivismo Piagetiano.  
Considerando, a partir de Piaget (1947-1977), que toda criança constrói suas
ferramentas intelectuais, sobretudo na ação e na experimentação e acrescentando do
socioconstrutivismo, a importância das relações sociais nas aprendizagens, demos
particular atenção à participação ativa do sujeito  e aos trabalhos de grupo, em nossas
tentativas de propiciar às turmas de crianças e jovens, com quem trabalhamos, a aquisição
do sistema de escrita SignWriting.
A metodologia utilizada visa possibilitar o desenvolvimento da escrita de língua de
sinais em momentos distintos de interação, inspirados no método de exploração crítica das
situações experimentais, objetivando incorporar os  conhecimentos das crianças nas
atividades de aquisição do sistema SignWriting.  
Partimos do interesse das crianças despertado pelo próprio objeto de conhecimento
proposto e em conversas em sinais, para com a utilização dos recursos didáticos
disponíveis, iniciarmos a apropriação do sistema SignWriting de escrita de língua de sinais.
4. Períodos de evolução da escrita infantil conforme Ferreiro.
A progressão das hipóteses sobre a escrita segue a  linha do desenvolvimento
psicogenético que por sua vez reproduz algumas das etapas-chaves da evolução da história
da escrita que vai do pictograma ao sistema puramente alfabético dos gregos. Esse fato
permite supor que é necessária uma série de processos e reflexões capazes de superar
obstáculos para tomar consciência de certas propriedades fundamentais da linguagem.
Essas tomadas de consciência, acontecidas no plano social na evolução de uma língua,
desempenham um papel semelhante no caso individual que exige da criança, uma tomada
de consciência do que ela faz com a linguagem quando fala para, ajudada pelo professor,
passar desse saber fazer empírico para um saber conceitual.
Estudiosos da alfabetização das crianças em línguas orais, de diversas
nacionalidades propuseram várias etapas que precisam ser vencidas pelas crianças no
desenvolvimento da leitura e da escrita. Com base na teoria piagetiana, Ferreiro, (1982,
1985 e 1999) observa que a escrita infantil segue uma linha de evolução regular, dentro da 10
qual podemos distinguir três grandes períodos e pontua que graças à teoria de Piaget, pode
descobrir um sujeito que reinventa a escrita, para fazê-la sua. Ela identificou no processo de
construção do sistema de escrita 3  níveis que o caracterizam de forma ampla, sendo que
em seu interior ainda cabem múltiplas subdivisões, das quais não iremos tratar, por serem
construções específicas da escrita das línguas orais.
No entanto, nossas tentativas da apropriação do sistema SignWriting, tiveram em
mente essas 3 etapas amplamente caracterizadas, quando realizamos nossas experiências,
estabelecendo as relações possíveis no tratamento desses objetos de conhecimento,
funcionalmente idênticos, mas essencialmente diferentes, quais sejam a escrita das línguas
orais e a escrita das línguas de sinais.
5. Descrição das minhas experiências de aquisição do SignWriting com
diferentes grupos de surdos e ouvintes de diversas faixas etárias.
O primeiro período, conforme Ferreiro é o da distinção entre o modo de
representação icônico e não-icônico. A origem gráfica comum do desenho e da escrita faz
com que apareçam inicialmente, para a criança, como marcas indiferenciadas no papel.
A distinção entre o que é próprio do desenho representativo e o que é parte da
escrita começa a ser estabelecida a partir dos 4 anos.
Quando trabalhamos a alfabetização em SignWriting com crianças que estão sendo,
ou já foram alfabetizadas na escrita da língua oral, iniciamos nosso trabalho observando se
elas já estabeleceram essa distinção entre os modos de representação desenho e escrita.
Para atingir esse objetivo, uma forma é mostrar um  livro ilustrado de histórias
infantis com escritas em língua oral que acompanhem as ilustrações.  Contamos a história
mostrando cada página. Dialogamos sobre a história, sobre as ilustrações e sobre as
escritas. Reconhecemos que essas correspondem à língua oral. Em seguida, podemos pedir
que elas tentem usar o papel para exprimir no caderno, ou em folhas brancas, sua
compreensão da história, mas não podem escrever palavras do português.
As crianças não sabem que existe uma escrita de língua de sinais, não viram nada do
sistema SignWriting, mas trabalhamos juntas em língua de sinais e eu sinalizei que era 11
professora de língua de sinais e que comigo não iriam escrever as palavras da língua oral
mas iriam escrever os sinais.
As produções das crianças, reproduzidas no exemplo abaixo, permitem observar que
elas já diferenciam o que é desenho, e o que é escrever a história. Mostram compreender
também a possibilidade de uma representação escrita dos sinais diferente da escrita da
língua oral.
Nas produções podemos perceber que a diferença entre desenho e escrita está bem
estabelecida, uma vez que desenham os personagens e, ao lado, procuram representar os
sinais desenhando as mãos, não aparecem letras ou palavras escritas em português. São
crianças, de uma escola de surdos, que estão sendo alfabetizadas em português.
                                       DESENHO E SINAL DE CASA
            SINAL DE LOBO 12
SINAL DE CASA E MÃOS FAZENDO O SINAL DE CASA
SINAL DE COMER E DESENHO DE PRATO
No segundo período acontece a construção das formas de diferenciação dentro da
própria escrita, conforme Ferreiro é o período do controle progressivo das variações sobre
os eixos qualitativos e quantitativos.
Depois que a criança consegue distinguir entre o desenho e a escrita ela começa a
preocupar-se e a construir hipóteses sobre as diferenciações que acontecem no interior de
cada uma dessas linguagens. No caso da escrita da língua oral, as crianças dedicam um 13
grande esforço intelectual na construção de formas de diferenciação entre as variações que
se referem ao número de letras e a sua variedade.
Em nosso trabalho a observação conjunta, professor  e alunos, do trabalho das
crianças que, ao contar a história, desenham mãos sinalizando é ponto de partida, para o
diálogo seguinte que introduz a possibilidade do sistema SignWriting como representação
da língua de sinais.
Conforme vimos em Piaget (1970) a função semiótica  possibilita à criança
representar um objeto ausente por meio de um símbolo, ou de um signo, e a representação
nasce da diferenciação e da coordenação combinadas, correlatas entre significantes e
significados. Ao trabalhar a leitura e a escrita dos sinais pelo sistema SignWriting as
crianças precisam tanto interpretar, como produzir os elementos e suas relações, a partir da
reconstrução do sistema. A forma de fazer isso é ir adquirindo a representação simbólica
pela observação dos sinais escritos. Trabalhamos conjuntamente a escrita para que a criança
atue, não somente lendo, mas também, desenhando e escrevendo no quadro e no caderno.
Pela produção escrita das crianças podemos identificar as primeiras tentativas de
associar o desenho das mãos sinalizando a uma representação correspondente do sistema
SignWriting. Como o sistema tem referencias também ideográficas, muitos sinais escritos
são reconhecidos rapidamente. A identificação começa a acontecer também em relação aos
eixos quantitativo e qualitativo quando começam a perceber as diferenças existentes entre
os diversos elementos que compõe um sinal escrito (uma pilha).
                                                  SINAL DE SURDO 14
O terceiro período identificado por Ferreiro é a fonetização da escrita (que se inicia
com um período silábico e culmina no período alfabético) para as línguas orais, tem início
quando a criança vai descobrindo quais as partes da escrita (as letras e sílabas) que podem
corresponder a outras tantas partes da palavra oral.
Em nosso trabalho pensamos que esse período poderia ser relacionado ao
reconhecimento da correspondência entre os elementos do símbolo em SignWriting com as
configurações correspondentes do sinal manual. Os primeiros elementos a serem
reconhecidos são os três símbolos básicos de configuração da mão: punho fechado, punho
aberto e mão plana. Observamos essas configurações  nos cartazes e estabelecemos a
correspondência dos três símbolos com as mãos sinalizando. Continuo explicando como
são adicionadas linhas para os dedos nos mesmos símbolos básicos de configurações das
mãos.
Procuramos associar o critério de fácil memorização do símbolo, com o critério de
significado, para que o primeiro sinal possa ser uma aprendizagem simples e prazerosa para
as crianças e também para os alunos maiores. Por exemplo, na Escola de Ensino
Fundamental Frei Pacífico, o primeiro sinal trabalhado foi o de “mamãe” que corresponde
ao dedo indicador estendido com a mão de lado, essa posição faz parte do grupo 1 do
sistema SignWriting.  Esse sinal possibilitou ampliar as experiências a serem relatadas
pelas crianças e gerar uma cadeia de sugestões de outros sinais, que fomos escolhendo, de
forma a ir introduzindo o sistema de escrita, obedecendo ao critério de iniciar pelo grupo
um e ir avançando ordenadamente na série de grupos até chegar ao grupo 10.
SINAL DE MAMÃE 15
Esse ordenamento não é rígido, pois permite o ir e  voltar, nas construções do
sinalário e das frases, mesmo de pequenos textos. As leituras e construções vão avançando
de forma natural de acordo com os interesses manifestados pelas crianças. No entanto a
organização em grupos norteia as aquisições formais. O aluno desenhou o sinal do papai já
usando, em parte, o sistema de SignWriting.
                                        SINAL DE PAPAI
 O aluno desenhou o objeto bola e escreveu a palavra em português e na segunda
figura o símbolo de SignWriting correspondente às configurações das mãos em “bola”.
                                       DESENHO DE BOLA
SINAL DE BOLA 16
Embora exista o critério de ir avançando, no processo de aquisição da escrita de
língua de sinais - ELS pelo sistema SignWriting, a partir dos dez grupos de configurações
e, essa aprendizagem, inclua a cópia de listas das  combinações possíveis para cada
configuração, essas sempre são apresentadas, antes  da formalização em grupo, dentro do
contexto do sinal escrito completo, que compreende a expressão facial, a configuração de
mão, os símbolos de contato e de movimentos. A formalização vem num segundo momento
quando os alunos já entenderam bem do que se trata.
No exemplo abaixo, escrevi no quadro os símbolos de configurações de mão do
grupo um, pois eles estão fazendo muitas perguntas  e assim poderão pesquisar para
construir seus símbolos.
                                                        GRUPO 1
SINAIS ESCRITOS E PALAVRAS EM PORTUGUÊS 17
Incentivamos ainda, a cópia dos sinais já construídos Pelos alunos, ou já
apresentados a eles, como forma de aumentar a possibilidade de retenção na memória, de
cada um dos detalhes específicos de um símbolo já compreendido.
A cópia de modelos perfeitos não apenas amplia o número de leituras de formas
corretas, como estimula, de maneira natural, o processo de análise estrutural, que permitirá
fazer com que ocorra a leitura real. O ensino da escrita poderá se dar concomitantemente ou
não ao processo da escrita, dependendo do nível da habilidade motora do aluno.
Segundo Piaget (1947-1977), o período perfeitamente propício à aprendizagem de
sistemas reversíveis, como o da escrita, só acontece a partir dos sete ou oito anos de idade,
quando o conhecimento se constrói no indivíduo de uma forma já operacional, embora
ainda preso às percepções sensoriais. Essa idade mencionada representa uma média,
portanto algumas crianças, poderiam se mostrar capazes de descobrir a leitura antes por
apresentarem as citadas características operacionais, outras depois, mas elas seriam a
exceção, não a regra.
Na construção das produções escritas das crianças surdas a metodologia levou em
conta o conceito piagetiano de que a criança ao se  apropriar de um sistema de
representação, o reinventa, isto é, reproduz sua construção através de hipóteses, nas
tentativas de utilização dos símbolos, diferenciando os elementos e as relações do sistema
de representação, bem como, estabelecendo a natureza do vínculo entre a representação
constituída pelos símbolos arbitrários e seu objeto do conhecimento.
Da vivência em classe da criança, sempre influenciada por suas experiências
familiares, e da comunidade onde se insere, surge à linguagem como meio de expressão de
suas emoções e pensamento, desse contexto sociolingüístico vão surgir às oportunidades de
leitura e escrita constituída pelos símbolos arbitrários e seu objeto do conhecimento. 18
OS PERSONAGENS DE UM LIVRO
O processo de alfabetização em SignWriting  deve ter a preocupação de estimular as
competências lingüísticas inatas no individuo e levá-lo a adquirir a leitura e a escrita a
partir de sua própria linguagem, de seu potencial e de motivações naturais.  
Diferentemente da alfabetização na língua oral de seu país, que está escrita em toda parte, a
criança surda não está exposta a uma escrita da língua de sinais, esse é um dos motivos pelo
qual a sensibilização à proposta de aprendizagem é essencial. A sensibilização deve incluir
a participação ativa da criança, seja contando uma  história, ou executando atividades
imaginadas pelo professor que levem ao objetivo de sentir a possibilidade e a necessidade
de uma escrita para representar os sinais.
Depois da tarefa de sensibilização, começo a mostrar que o sinalizado pode ser
escrito. Os símbolos do SignWriting vão aparecendo, aos poucos, inicialmente associados à
narrativa. Sigo a ordem do manual para o ensino formal da escrita, mas essa ordem não
limita o diálogo nem a satisfação das curiosidades e dúvidas que vão surgindo. Respondo às
perguntas com a solução apropriada ao caso, não importa que essa solução só vá ser
abordada formalmente bem mais tarde. A criança tem sua pergunta respondida e, embora
não consiga captar bem todo o alcance da resposta, vai seguindo adiante. Gradativamente
sua compreensão do sistema vai se ampliando.  19
6. Alternativas Didático-Pedagógicas
Até agora, observamos detalhadamente, como um grupo de crianças surdas iniciou
sua aquisição do sistema de ELS SignWriting relacionando  as etapas de aquisição do
conhecimento propostas por Piaget  que fundamentaram as etapas de alfabetização
propostas  por Ferreiro. Eram crianças da segunda série do ensino fundamental que já
estavam em processo de alfabetização em português.
 Para as crianças da educação infantil é necessária uma abordagem diferente daquela
experimentada com as classes das crianças maiores,  que já estão sendo alfabetizadas na
língua oral.
Na pré-escola a leitura dos sinais escritos deve ser apenas uma leitura lexográfica,
de signos escritos representando sinais e frases do interesse das crianças dessa idade,
muitos cartazes com poucos signos escritos. Poderíamos também contar muitas histórias e
mostrar os sinais grafados para que pudessem ir observando a escrita de língua de sinais em
muitas situações.  
Poderão trabalhar o SignWriting, familiarizando as  crianças com essa escrita, que
não aparece em todas partes, como aparece a escrita do português. Poderão construir
cartazes com desenhos e a escrita das duas línguas para que elas possam se habituar com a
idéia de que existe uma escrita para os sinais diferente da escrita da língua oral.
No exemplo abaixo, uma professora de educação infantil trabalhou junto a
lateralidade direita x esquerda e a escrita do SignWriting. Os sinais escritos contam uma
história que foi sinalizada e dramatizada antes pelas crianças. A história do carro. 20
A HISTÓRIA DO CARRO
Quando formos trabalhar a aquisição do SignWriting com jovens ou com adultos a
abordagem poderá ser mais formal, de acordo com seu estágio evolutivo. Podemos iniciar
mostrando um livro escrito em SignWriting, contar a história da criação do sistema,
explicar sua estrutura e funcionamento mostrando exemplos de alguns sinais sugeridos pelo
grupo, que construiremos no quadro. Vamos apresentar e distribuir o manual de escrita do
SignWriting, ou um resumo dele, que mostre como construir os sinais pelo sistema
SignWriting.
Nas aulas seguintes já poderemos trabalhar diretamente com a leitura e escrita dos
sinais, observando o andamento das aprendizagens, incentivando a autonomia dos membros
do grupo, ao mesmo tempo, a cooperação com os colegas. Promoveremos leituras,
construção de frases e textos coletivos e individuais. Poderemos construir um dicionário
bilíngüe, historinhas e poesia. Podemos pedir que escrevam cartas uns aos outros ou para
amigos distantes.  21
A criação de um ambiente cooperativo e envolvido com o mesmo interesse
oferecerá naturalmente inúmeras sugestões de utilização da ELS.
ELAS ESTÃO LENDO UMA CARTA EM SIGNWRITING E SINALIZANDO.
As aulas precisam ser planejadas e as atividades propostas para os alunos de acordo
com o desenvolvimento e os recursos de cada grupo.  No entanto, alguns procedimentos
podem ser comuns a todos os grupos, principalmente  os que envolvem a questão da
identidade surda, que não é uniforme, mas possui traços comuns evidentes em qualquer
grupo de surdos.
A criança surda, quando passa a fazer parte de uma comunidade surda, recebe pela
segunda vez um nome próprio. Em seu grupo de surdos ela vai ser conhecida por um sinal
particular que não tem qualquer relação com seu nome na língua oral de seu país. Os surdos
têm muito aguçada sua percepção visual e sempre encontram algum traço característico que
destacam e sinalizam. O consenso dentro do primeiro grupo surdo de convivência vai
sancionar aquele sinal como sendo o nome da pessoa, que ira acompanhá-la para sempre,
dentro das comunidades surdas. Por exemplo, meu nome é Marianne em português. Meu
nome como membro de comunidade surda é escrito assim em SignWriting.  22
SINAL ESCRITO DE MARIANNE
Para a criança surda, aprender a escrever seu nome em escrita de língua de sinais
tem um significado importante para sua auto-estima e possibilita sentir-se um sujeito surdo
com identidade surda. Ela sente que não está só. Ela pertence a um grupo e tem um nome
próprio dentro desse grupo que é uma marca de pertencimento. Uma criança surda que vive
em uma família de ouvintes sente felicidade por estar adequada e incluída no grupo.
Aprender a escrever seu nome surdo garante motivação e interesse, pois o significado dessa
aprendizagem é carregado de emoção que ativa a mente. O nome surdo de cada criança
escrito em SignWriting é uma das construções que todas as turmas com quem trabalhei
fizeram em conjunto no quadro.  Essa aprendizagem também influencia o relacionamento
dos alunos entre si, assim como a forma de pensarem e refletirem a respeito de sentimentos
de grupo e solidariedade.
A construção do símbolo escrito do nome de cada aluno em língua de sinais é uma
atividade que deve ser proposta para todos os alunos que ainda não tenham feito essa
construção, não importa a idade. 23
O oferecimento de um sistema democrático e participativo de vida, dentro da sala de
aulas, que respeita e olha o aluno, enxergando-o como ele é, a comunicação estabelecida
em nossa língua natural para realizar um trabalho comum, propicia que o próprio grupo
gere regras de convivência e aceite com seriedade a necessidade de atenção e respeito para
que se configure um espaço de trabalho produtivo. Nas produções infantis podemos
observar como as crianças vão construindo sua escrita em SignWriting. Desenham os
objetos, desenham mãos sinalizando, começam a observar os símbolos apresentados pela
pesquisadora e vão conseguindo diferenciá-los qualitativa e quantitativamente,
compreendem que eles correspondem aos sinais da Libras e aprendem a  estabelecer
correspondência entre os sinais e os símbolos do SignWriting.
A decomposição do sinal escrito, relacionando os diferentes elementos gráficos
mínimos, representados pela escrita, com os elementos fonológicos, morfológicos,
sintáticos e semântico-pragmáticos da língua sinalizada permite ao aprendiz compreender o
processo e tentar construir sua própria escrita.
A escrita da língua de sinais capta as relações que a criança estabelece com a língua de
sinais. Se as crianças (surdas) tivessem acesso a essa forma de escrita para construir suas
hipóteses a respeito da escrita, a alfabetização seria uma conseqüência do processo. À
partir disso, poder-se-ia garantir o letramento do  aluno ao longo do processo
educacional.(Quadros, 2003)
As trocas simbólicas se constituem no elemento imprescindível para o
desenvolvimento da representação por permitirem ao  sujeito a interação afetiva com o
meio. Não é a falta da língua em si que produz atraso cognitivo no surdo, mas à limitação
em realizar trocas simbólicas com seu meio, provocado pela falta de um instrumento
simbólico e de um ambiente adequado capaz de solicitá-lo e de exercitar sua capacidade
representativa.
A limitação na aquisição da língua oral, mesmo na sua representação escrita
constitui uma barreira a todas as aprendizagens escolares, fato exaustivamente relatado
pelos professores de surdos.
Não é diferente a interpretação de Piaget (1970) que na obra O Nascimento da
Inteligência na Criança, pela análise de várias condutas representativas, sugere a existência
de elementos comuns entre elas e denomina esse mecanismo função semiótica, que é 24
comum a todas elas. A interação entre as diversas condutas representativas como desenho,
escrita e língua oral evidencia-se nas transformações que ocorrem, ao mesmo tempo, em
cada uma dessas representações e isso acontece porque todas são processos do mesmo
sujeito. Esse sujeito piagetiano que constrói o conhecimento por meio de suas interações
com o objeto e ao mesmo tempo constrói-se como sujeito numa interdependência contínua
entre a experiência e a razão.
Ilustro, agora, como pode ser a abordagem do ensino do sistema SignWriting para
um grupo de alunos adultos, com a narrativa de uma experiência que realizei com pais de
crianças surdas:
Na sala do auditório em cima da Escola de Ensino Fundamental Frei Pacífico, fiz
hoje, uma apresentação para os dezoito pais e duas irmãs de surdos. Não esperava tantas
pessoas interessadas na aula de escrita de língua de sinais.
Todas as terças-feiras, das 13:30 até 14:15 horas esse grupo tem aula de língua de
sinais com uma professora surda de Libras.Tem uma mãe que assiste pela primeira vez a
aula, os outros sabem um pouco e alguns sabem em nível médio, a língua de sinais. Só um
casal do grupo tem um filho que estuda com a mesma professora.
Expliquei aos familiares, o que eu faço na Escola de Ensino Fundamental Frei
Pacífico e também sobre a minha pesquisa. Que trata de como as crianças surdas adquirem
a escrita de sinais pelo sistema SignWriting.  Mostrei o livro de Uma menina chamada
Kauana e o manual de SignWriting para todos, que puderam observar e manusear. Comecei
a escrever os símbolos básicos de configurações das mãos no quadro e a mostrar como eles
reproduzem os sinais.
Site contém o livro: Uma menina chamada Kauana.
http://signwriting.org/library/children/uma/uma.html 25
Uma mãe me perguntou como escrever o sinal escrito “surdo” e outro sinal escrito
“ouvinte”, expliquei como é o símbolo e sua correspondência com as configurações das
mãos.  Algumas mães haviam visto os materiais de escrita de língua de sinais, mas não
sabiam o significado, puderam entender o que é.
Mostrei como é o ponto de vista expressivo com os símbolos no quadro e eles
acompanhavam com as mãos, algumas mães copiaram em seus cadernos.  Algumas querem
comprar o manual de SignWriting, que infelizmente ainda não foi editado e não temos para
vender não temos para vender. Iremos reproduzindo e entregando o material no decorrer
das aulas.
 A lingüista, francesa, Boutora registra, em sua dissertação de mestrado que a
utilização dessa notação com sentido pedagógico é muito usada na Dinamarca e na
Noruega, particularmente pelos pais ouvintes de crianças surdas que estão aprendendo a
língua de sinais. Constitui uma notação que permite às pessoas pouco experientes em LS
tomar notas. (Boutora, 2003, pg. 92).
Na aula seguinte distribuí o material de SignWriting, para os pais, que ensina como
escrever os sinais. Consta de um livro texto com trinta folhas que serve de referência para a
escrita dos movimentos da Libras. Inclui diagramas, ilustrações e exercícios. Ele ensina
cada símbolo do sistema da escrita SignWriting e oferece aplicações para ler e escrever. As
aulas seguintes com os pais começaram com as tentativas de lerem o texto em SignWriting
e perguntarem suas dúvidas, depois, aprenderam a escrever os sinais escritos construindo
frases.
 Tivemos aproximadamente vinte horas aula e eles conseguiram obter uma boa
compreensão do sistema. Poderão prosseguir sozinhos se desejarem. A possibilidade de
acesso e interação com os pais e colegas, assegura  resultados significativos de
aprendizagem, também para as crianças, pois cria um ambiente envolvido com o mesmo
interesse. Fizeram alguns trabalhos em grupo, ou individuais, para construir um mini-
dicionário, poesia e historinhas. Eles gostaram muito das aulas, pois é uma novidade, nunca
haviam pensado existir uma escrita que registra a língua de sinais. 26
Nas aulas com crianças, a ação interessada se manifestou principalmente na
manipulação dos jogos e materiais, na postura ativa de corrigir colegas que estão
escrevendo no quadro, chamar o professor para perguntar, trazer e caprichar no caderno.
Os jogos didáticos são recursos importantes para a  aprendizagem da leitura e da
escrita, desenvolvem também as atitudes de comportamento, convivência, organização e
participação.  As crianças gostam muito de jogar.
Fragmentos do diário de campo, colhidos das experiências, que ilustram essas
considerações:
Escrevi só a primeira posição de símbolo de configuração da mão e eles
continuaram escrevendo as posições de símbolos das  configurações das mãos até
completar todas. Percebi que eles estão adquirindo  as posições de símbolos, pois
escreveram rápidos. O grupo quatro é mais fácil do que grupo três pois são de sinais mais
usados.
 Depois escreveram os sinais de seus nomes, mostravam com o alfabeto manual e
SignWriting no quadro-negro. Alguns olhavam o cartaz com o alfabeto manual e a
correspondência em SignWriting. A professora surda  ficou admirada de como eles
aprenderam com rapidez.
Querem mais jogos, avisei que vamos deixar para outro dia.
 Fui à sala de aula da professora surda onde estão as crianças, elas me olharam e
ficaram felizes porque voltei a trabalhar com elas  e perguntaram por que estava
demorando a voltar.
Comecei a trabalhar pergunta e resposta escrevendo uma frase em SignWriting da
LSF no quadro  “qual cor gosta?”.  Eles lêem juntos, não conhecem o sinal escrito de
gostar então mostrei para eles o sinal de gostar, logo associaram ao sinal escrito e
repetiram a leitura da frase que entenderam completamente.
Sentamos a mesa e eles abriram os cadernos para construirmos os sinais escritos
de cada um. Uma aluna opina que é fácil, outro aluno diz que pode ser fácil ou difícil,
depende do sinal escrito. Pedi que tentassem primeiro nos cadernos para depois irmos ao
quadro e finalmente cada um colocaria o seu sinal escrito em uma folha branca para
pendurar. Trabalhamos assim até que todos colocaram a folha com seu nome pendurada
no armário. Foi muito alegre porque faziam brincadeiras uns com os outros sobre como
escrever seus nomes.  
Distribuí a história do cavalo, que não está completa. Nós lemos juntos os sinais e
eles querem escrever a historia completa. A menina estava cansada, e escreveu um final 27
bem simples. O outro aluno que estava animado com a história do cavalo escreveu o final
da história muito bem, perguntando como escrever alguns símbolos de movimentos.
O ALUNO ESCREVEU A HISTÓRIA DO CAVALO.
Uma aluna fez uma pasta para colocar histórias em SignWriting da LSF, para
estudar, ela me mostrou a pasta, feliz.
Gostam muito de ler textos em SignWriting e de ler  quando escrevo no quadro.
Querem continuar a ler textos.
Sobre se a escrita do SignWriting da LS ajuda a desenvolver a escrita da língua
oral, responderam que sim, amplia os conhecimentos das configurações das mãos. Quando
vêem um símbolo passam a refletir sobre qual o sinal que corresponde ao símbolo prestam
atenção nos diferentes símbolos.
Elas aprenderam a língua francesa e suas regras de estrutura, logo que começaram
aprender a ELS perceberam que não sabiam que a LS também tem regras de estrutura.  28
Concluo essa disciplina com a observação de que as experiências realizadas, com a
aquisição do SignWriting parecem guardar relação com as grandes etapas da alfabetização
em língua oral das crianças ouvintes, propostas por Ferreiro que se fundamenta na teoria de
Piaget.  A aquisição da escrita de sinais pelo sistema SignWriting acrescenta, a meu juízo,
dois componentes fundamentais ao processo de alfabetização que, habitualmente não se
evidenciam, quando a alfabetização em língua oral é desenvolvida com as crianças surdas:
1 – O aspecto afetivo - A criança surda quando se depara com a aprendizagem do
SignWriting sente-se gratificada, sente-se feliz. O reconhecimento de que sua língua de
sinais também é importante, também pode ser escrita, a relação que se estabelece entre os
colegas para cooperar e trocar conhecimentos, as produções animadas, o poder contar em
casa que são possuidores de um conhecimento reconhecido pela escola, são fatores entre
outros, de apropriação de um sentimento de auto-estima, do qual elas muitas vezes
carecem, e de empenho em aprender.
2 – O aspecto de evolução na aprendizagem - A rapidez com que elas conseguem adquirir o
sistema, começam a ampliar seu sinalário e a construir mensagens faz com que se sintam
estimuladas a avançar. As dificuldades que encontram são dificuldades possíveis de serem
superadas, ao contrário das encontradas na escrita da língua oral, que ensinada aos surdos,
com os mesmos métodos que aos ouvintes, não respeita o raciocínio nem a identidade da
criança surda.

Nenhum comentário:

Postar um comentário